quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Códigos de postura da povoação de Piripiri de 1870 - em busca de uma sociabilidade do urbano



O estudo da História algumas vezes, tem a impressão de ser algo desnecessário, cansativo ou perdido no tempo. Sem uma real função para o presente. Porém, quando compreendemos o porquê de se estudar a História ela torna-se realmente apaixonante. Mais interessante ainda é observar e compreender que toda esta dinâmica que hoje é a humanidade, é fruto de decisões tomadas pelo homem no passado.
Iremos aqui ilustrar este exemplo com um dos principais símbolos do homem em sociedade organizada: as leis, surgidas como um instrumento regulador da sociedade. Neste artigo iremos trabalhar algumas leis intituladas de código de postura municipal.
Desde o período colonial, as pequenas vilas e povoados foram assumindo aos poucos uma iniciativa própria de governabilidade, estabelecendo normas, e seguindo a padrões éticos. Portanto, as posturas tinham a função de impor uma “legalidade urbana” delimitando as fronteiras do poder.
Fruto do anseio público, as leis estabeleciam e ainda hoje estabelecem limites na convivência cotidiana entre habitantes de um lugar. Estas leis que analisaremos demonstram a mentalidade do poder público de determinados períodos quando as esferas urbanas estavam em formação, estabelecendo o que era permitido ou proibido.
A resolução nº 570, publicada a 25 de agosto de 1870, pelo Presidente da Provincia do Piauy, o Dr. Manoel Antônio Duarte de Azevedo, criou um Distrito de Paz na povoação de Piripiry (grafia do documento) vinculado ao termo de Piracuruca. Poucos dias depois, a câmara municipal de Piracuruca aprova, a 6 de setembro a resolução nº726 contendo as posturas municipais que iriam reger a Vila de Piracuruca e o povoado de Piripiri, objetivando uma melhor organização do espaço urbano.
 Observemos (com a grafia da época) alguns trechos da resolução n° 726 de seis de setembro de 1870:
Art. 1° Não se poderá edificar casas nesta villa, sem licença da câmara respectiva...sob pena de ser demolida a obra a custo do dono...e a multa de dez mil reis”.

                 Já neste primeiro trecho, nos deparamos com a forte regulação imposta pelo poder público, justificando-o como regulador da sociedade. 
 § único: É expressamente prohibido a edificação de casas de palha nas praças e ruas publicas desta villa e povoação de Piripiry, sob as penas acima estabelecidas”.

Nesta lei, já observamos uma preocupação com a estética urbana e com a saúde pública, uma vez que os casebres de palha, além de comprometerem a beleza urbana, também eram sinônimos de doenças segundo o discurso médico da época.
Também é bem nítido o esforço para o embelezamento, manutenção da saúde pública e melhor transito dos moradores no artigo 6º do mesmo decreto que estabelece:

 Ninguém poderá abrir barreiros, ou fazer outra qualquer escavação no recinto desta villa, e na povoação de Piripiry, e nem em outro qualquer lugar de transito público, sob a pena de dous mil reis de multa, e de entupir a escavação.”

Mas não somente as regras de organização do espaço urbano eram normatizadas por estas leis. As posturas municipais prescreviam desde as regras de convívio em sociedade para os seres humanos e até ao convívio com animais. O artigo 7° da resolução define que:
Depois das seis horas da tarde é prohybido correr a rédea solta; ou esquipar a cavalo nas ruas desta villa e povoado de Piripery, sob pena de multa de mil reis, e do dobro na reincidência, ou alias de cinco dias de prisão.”

O artigo 8° confirma a rigidez na criação de animais para uma melhor convivência com o ser humano:

É prohibido apascentar gado vaccum e cavallar dentro das praças desta villa, assim como peialos quer de noite quer de dia, sob pena de multa de mil réis por cabeça.

Mas para alguns existia uma pequena ressalva:

“§ Único: Os cavalos castrados e mullas podem ser peiados durante o dia, sem que por isso incorrão os seus donos nas penas deste artigo.

Nem mesmo os suínos e os caninos escapavam da normatização:

 “Art. 10. É prohibida a conservação de porcos e cães nesta villa e povoação do Piripiry, sob pena de serem mortos como melhor entender o fiscal”.

Em meados do século XIX, a questão da limpeza pública já era preocupação das autoridades:

 “Artigo 11. Não se poderá lançar immundicie nas ruas e praças desta villa e povoação do Piripiry. Os infratores pagarão a multa de mil reis, e são obrigados a fazer a limpeza a sua custa”.


 Percebe-se novamente, a questão da saúde pública através da preocupação junto aos consumidores de carne de animais:
 
Art. 17. Ninguém poderá vender carne verde ou secca sem que apresente ao repectivo fiscal documento que prove a propriedade da rez, sob pena de lhe ser prohybida a venda até a satisfação desta exigência, e não o fazendo afinal pagará a multa de dez mil reis, e o fiscal levará o facto ao conhecimeto do promotor publico da comarca, ou a qualquer autoridade criminal para ser investigado. Art. 18. A rez que tiver de ser talhada, e exposta ao consummo publico nesta villa e povoação do Piripiry, deverá ser morta na tarde do dia antecedente, e deverá ser salgada desoito horas depois de morta. Art. 19: “ Não se poderá talhar e expor ao consumo público aquella rez que tiver morrido de moléstia, ou qualquer incidente, e somente aquella que tiver sido morta de propósito para aquelle fim.Os infratores ficarão sujeitos a pena de quinze mil reis de multa e oito dias de prisão.”

O cumprimento ou não deste conjunto de leis, rotulavam o morador como “correto” ou como “errado” no ambiente urbano. Bebedeiras, e jogos de azar também fazem parte destes regulamentos para um melhor convívio em sociedade. Pois em função do estabelecimento do que era legal, e o que era ilegal, estas leis, inconsciente ou mesmo conscientemente convergiam para uma separação de grupos sociais: os “cidadãos de bem” por cumprirem o que o poder regulador impunha, sendo na maioria das vezes, pertencentes ao mesmo grupo dos que elaboravam as regras. E do outro lado, ou mais especificamente à margem, tínhamos o grupo “marginalizado” que deveria ser punido ou banido convívio social. 
Em uma sociedade regida por rígidos costumes familiares, algumas práticas como jogos de azar eram veementemente proibidos. É o que regia o artigo 12 da Resolução  nº 726 de 6 de setembro de 1870:
 “Todo aquelle que em sua casa admitir jogos prohibidos, ou forem encontrados jogando ou finalmente seduzir e jogar com filhos, famílias ou escravos, qualquer espécie de jogo, pagará a multa de dez mil reis, ou sofrerá oito dias de prisão, alem das demais penas criminaes e que possa incorrer.”

Mesmo sendo elaborada no século XIX, esta postura municipal já impunha uma tentativa de regular a utilização de armas de fogo:
Art. 14. É prohibido, sem licença da autoridade policial, dar-se tiros dentro desta vila e povoação do Piripiry, sob pena de multa de dous mil reis, ou três dias de prisão.”

Um dos artigos mais interessantes desta lei é o artigo 22 que estabelece que:
As pessoas que forem encontradas embriagadas nas praças e ruas desta villa e povoação do Piripiri serão multadas em dous mil reis e levadas por ordem do fiscal a presença de qualquer autoridade policial do lugar”.  

Neste trecho da lei fica bem evidente a distinção entre o público e o privado. Pois a prática da bebedeira, mesmo sendo característica de todos os grupos da sociedade, a elite restringia suas farras ao ambiente privado doméstico, enquanto para os “outros” sobrava geralmente o ambiente público. Incorrendo na maioria das vezes neste crime, a população de menos posse.

Mas a lei era bem clara:

Art. 30. Pelas disposições contidas nas presentes posturas são responsáveis os Paes por seus filhos, os amos por seus creados e os senhores por seus escravos”.

E também rígida:
Art. 32. Os infractores das presentes posturas que desacatarem ou injuriarem ao fiscal no cumprimento de seus deveres, incorrem na pena de prisão sem prejuízo d’aqueles em que possão incorrer, segundo as leis criminaes do império”.

Sem dúvidas, os Códigos de Postura devem ser analisados como uma tentativa de sociabilidade cotidiana ao longo do convívio de diversos grupos urbanos. Piripiri é um desses grupos, que também tem a sua rica história. História esta já contada por uns, mas pouco ensinada por outros. Louvada e pesquisada por poucos e indiferente a muitos. Desconhecida para tantos e infelizmente, preocupação de poucos.

3 comentários:

  1. Comentário do Sr. Jorge Melo (artista da terra)

    "Marcos Matos, excelente trabalho. Pesquisa maravilhosa! Fiquei emocionado
    com a leitura fácil de seu texto claro e didático, texto que requer divulgação pelo interesse público e porque vem suprir o hiato constante dos veículos de educação (livros didáticos), que não ensinam ao homem sobre o lugar em que vive e trabalha. Parabéns!
    Jorge Mello"

    Em 11 de janeiro de 2013 08:48

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  2. muito bom seu trabalho de pesquisa marcos, gostei tambem do texto tanto pelo lado jornalistico com historiador, o passado nos ensina como devem ser o nosso presente futuro, daí a importancia de se conhece-lo.

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  3. Adoro isso, simplesmente adoro história! E, sendo da minha terrinha, então!...

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