O estudo da História
algumas vezes, tem a impressão de ser algo desnecessário, cansativo
ou perdido no tempo. Sem uma real função para o presente. Porém, quando
compreendemos o porquê de se estudar a História ela torna-se realmente
apaixonante. Mais interessante ainda é observar e compreender que toda esta
dinâmica que hoje é a humanidade, é fruto de decisões tomadas pelo homem no
passado.
Iremos aqui ilustrar este exemplo com um dos
principais símbolos do homem em sociedade organizada: as leis, surgidas como um
instrumento regulador da sociedade. Neste artigo iremos trabalhar algumas leis
intituladas de código de postura municipal.
Desde o período colonial, as pequenas vilas e
povoados foram assumindo aos poucos uma iniciativa própria de governabilidade,
estabelecendo normas, e seguindo a padrões éticos. Portanto, as posturas tinham
a função de impor uma “legalidade urbana” delimitando as fronteiras do poder.
Fruto do anseio
público, as leis estabeleciam e ainda hoje estabelecem limites na convivência
cotidiana entre habitantes de um lugar. Estas leis que analisaremos demonstram
a mentalidade do poder público de determinados períodos quando as esferas
urbanas estavam em formação, estabelecendo o que era permitido ou proibido.
A resolução nº 570,
publicada a 25 de agosto de 1870, pelo Presidente da Provincia do Piauy, o Dr.
Manoel Antônio Duarte de Azevedo, criou um Distrito de Paz na povoação de
Piripiry (grafia do documento) vinculado ao termo de Piracuruca. Poucos dias
depois, a câmara municipal de Piracuruca aprova, a 6 de setembro a resolução
nº726 contendo as posturas municipais que iriam reger a Vila de Piracuruca e o
povoado de Piripiri, objetivando uma melhor organização do espaço urbano.
Observemos (com a grafia da época) alguns
trechos da resolução n° 726 de seis de setembro de 1870:
“Art. 1° Não se poderá edificar casas nesta
villa, sem licença da câmara respectiva...sob pena de ser demolida a obra a
custo do dono...e a multa de dez mil reis”.
Já neste primeiro trecho, nos
deparamos com a forte regulação imposta pelo poder público, justificando-o como
regulador da sociedade.
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único: É expressamente prohibido a
edificação de casas de palha nas praças e ruas publicas desta villa e povoação
de Piripiry, sob as penas acima estabelecidas”.
Nesta lei, já
observamos uma preocupação com a estética urbana e com a saúde pública, uma vez
que os casebres de palha, além de comprometerem a beleza urbana, também eram
sinônimos de doenças segundo o discurso médico da época.
Também é bem nítido o
esforço para o embelezamento, manutenção da saúde pública e melhor transito dos
moradores no artigo 6º do mesmo decreto que estabelece:
“ Ninguém
poderá abrir barreiros, ou fazer outra qualquer escavação no recinto desta
villa, e na povoação de Piripiry, e nem em outro qualquer lugar de transito
público, sob a pena de dous mil reis de multa, e de entupir a escavação.”
Mas não somente as
regras de organização do espaço urbano eram normatizadas por estas leis. As
posturas municipais prescreviam desde as regras de convívio em sociedade para
os seres humanos e até ao convívio com animais. O artigo 7° da resolução define
que:
“Depois das seis horas da tarde é prohybido
correr a rédea solta; ou esquipar a cavalo nas ruas desta villa e povoado de
Piripery, sob pena de multa de mil reis, e do dobro na reincidência, ou alias
de cinco dias de prisão.”
O artigo 8° confirma
a rigidez na criação de animais para uma melhor convivência com o ser humano:
“É prohibido apascentar gado vaccum e
cavallar dentro das praças desta villa, assim como peialos quer de noite quer
de dia, sob pena de multa de mil réis por cabeça.
Mas para alguns
existia uma pequena ressalva:
“§ Único: Os cavalos
castrados e mullas podem ser peiados durante o dia, sem que por isso incorrão
os seus donos nas penas deste artigo.
Nem mesmo os suínos e
os caninos escapavam da normatização:
“Art.
10. É prohibida a conservação de porcos e cães nesta villa e povoação do
Piripiry, sob pena de serem mortos como melhor entender o fiscal”.
Em meados do século
XIX, a questão da limpeza pública já era preocupação das autoridades:
“Artigo
11. Não se poderá lançar immundicie nas ruas e praças desta villa e povoação do
Piripiry. Os infratores pagarão a multa de mil reis, e são obrigados a fazer a
limpeza a sua custa”.
Percebe-se novamente,
a questão da saúde pública através da preocupação junto aos consumidores de
carne de animais:
“Art. 17. Ninguém poderá vender carne verde
ou secca sem que apresente ao repectivo fiscal documento que prove a
propriedade da rez, sob pena de lhe ser prohybida a venda até a satisfação
desta exigência, e não o fazendo afinal pagará a multa de dez mil reis, e o
fiscal levará o facto ao conhecimeto do promotor publico da comarca, ou a
qualquer autoridade criminal para ser investigado. Art. 18. A rez que tiver de
ser talhada, e exposta ao consummo publico nesta villa e povoação do Piripiry,
deverá ser morta na tarde do dia antecedente, e deverá ser salgada desoito
horas depois de morta. Art. 19: “ Não se poderá talhar e expor ao consumo público aquella rez que tiver
morrido de moléstia, ou qualquer incidente, e somente aquella que tiver sido
morta de propósito para aquelle fim.Os infratores ficarão sujeitos a pena de
quinze mil reis de multa e oito dias de prisão.”
O cumprimento ou não
deste conjunto de leis, rotulavam o morador como “correto” ou como “errado” no
ambiente urbano. Bebedeiras, e jogos de azar também fazem parte destes
regulamentos para um melhor convívio em sociedade. Pois em função do
estabelecimento do que era legal, e o que era ilegal, estas leis, inconsciente
ou mesmo conscientemente convergiam para uma separação de grupos sociais: os
“cidadãos de bem” por cumprirem o que o poder regulador impunha, sendo na
maioria das vezes, pertencentes ao mesmo grupo dos que elaboravam as regras. E
do outro lado, ou mais especificamente à margem, tínhamos o grupo
“marginalizado” que deveria ser punido ou banido convívio social.
Em uma sociedade
regida por rígidos costumes familiares, algumas práticas como jogos de azar
eram veementemente proibidos. É o que regia o artigo 12 da Resolução nº 726 de 6 de setembro de 1870:
“Todo
aquelle que em sua casa admitir jogos prohibidos, ou forem encontrados jogando
ou finalmente seduzir e jogar com filhos, famílias ou escravos, qualquer
espécie de jogo, pagará a multa de dez mil reis, ou sofrerá oito dias de
prisão, alem das demais penas criminaes e que possa incorrer.”
Mesmo sendo elaborada no século XIX, esta
postura municipal já impunha uma tentativa de regular a utilização de armas de
fogo:
“Art. 14. É prohibido, sem licença da
autoridade policial, dar-se tiros dentro desta vila e povoação do Piripiry, sob
pena de multa de dous mil reis, ou três dias de prisão.”
Um dos artigos mais interessantes desta lei é
o artigo 22 que estabelece que:
“As pessoas que forem encontradas embriagadas
nas praças e ruas desta villa e povoação do Piripiri serão multadas em dous mil
reis e levadas por ordem do fiscal a presença de qualquer autoridade policial
do lugar”.
Neste trecho da lei
fica bem evidente a distinção entre o público e o privado. Pois a prática da
bebedeira, mesmo sendo característica de todos os grupos da sociedade, a elite restringia
suas farras ao ambiente privado doméstico, enquanto para os “outros” sobrava
geralmente o ambiente público. Incorrendo na maioria das vezes neste crime, a
população de menos posse.
Mas a lei era bem clara:
“Art. 30. Pelas disposições contidas nas
presentes posturas são responsáveis os Paes por seus filhos, os amos por seus
creados e os senhores por seus escravos”.
E também rígida:
“Art. 32. Os infractores das presentes
posturas que desacatarem ou injuriarem ao fiscal no cumprimento de seus
deveres, incorrem na pena de prisão sem prejuízo d’aqueles em que possão
incorrer, segundo as leis criminaes do império”.
Sem dúvidas, os Códigos de Postura devem ser
analisados como uma tentativa de sociabilidade cotidiana ao longo do convívio
de diversos grupos urbanos. Piripiri é um desses grupos, que também tem a sua
rica história. História esta já contada por uns, mas pouco ensinada por outros.
Louvada e pesquisada por poucos e indiferente a muitos. Desconhecida para
tantos e infelizmente, preocupação de poucos.